Autismo em adultos: uma jornada de descoberta e autocompreensão

Içara/Criciúma
Alexandra Cavaler
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A pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode perceber uma série de desconfortos no âmbito sensorial, emocional, comportamental e cognitivo que impactam sua vida cotidiana. Essas manifestações podem ser sutis ou intensas, variando conforme o grau de suporte necessário e a presença de mecanismos compensatórios desenvolvidos ao longo da vida. Já a busca por uma avaliação profissional pode ser motivada por dificuldades em diferentes áreas do funcionamento diário. Quem dá mais detalhes sobre o assunto é a professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) da Unesc, Cinara Ludvig Gonçalves.

“Alguns exemplos são comumente relatados e associados a dificuldades na comunicação e interação social, tais como, dificuldade de interagir com outras pessoas, iniciar uma conversa, manter relacionamentos, entender ironias e metáforas, compreender expressões faciais, gestos e tom de voz; geralmente eles relatam sensação de exaustão ao interagir socialmente. Outro exemplo é a rigidez cognitiva e o processamento sensorial alterado, marcado pela sensação de sobrecarga emocional diante de mudanças inesperadas na rotina ou transições entre tarefas, interesse intenso em determinados temas e necessidade de seguir sequências específicas ou rituais em tarefas diárias”, pontuou a especialista.
Cinara ainda ressalta a importância de buscar atendimento especializado diante dos sintomas. “Caso você sinta ou se identifique com esses sinais e é importante dizer que eles precisam causar dificuldades/prejuízos no dia a dia, pois algumas pessoas podem até ter características do espectro autista, porém não fecham critérios do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), se enquadrando como espectro ampliado apenas, o importante é buscar um profissional especializado, pois esse é um passo importante para obter um diagnóstico adequado e apoio necessário”.

Da avaliação

A profissional ainda detalha como é feita essa avaliação até chegar ao diagnóstico e quais profissionais devem ser buscados. De acordo com Cinara, a avaliação diagnóstica é geralmente realizada por um psiquiatra ou neuropsicólogo e envolve a integração de dados clínicos, observacionais e neuropsicológicos. “Primeiro é feita uma entrevista clínica baseada nos critérios do DSM-5-TR ou da CID-11, com perguntas que vão desde histórico de desenvolvimento, padrões de comportamento, dificuldades de interação social e sensibilidades sensoriais. Além disso, são utilizados outros instrumentos padronizados para observação direta do comportamento do indivíduo ou para avaliação retrospectiva do desenvolvimento. A avaliação neuropsicológica pode ser aplicada para investigar funções executivas, cognição social, teoria da mente e flexibilidade cognitiva, diferenciando o TEA de outros transtornos como TDAH e transtornos do humor. Relatos de familiares e parceiros próximos também podem ser úteis nesse momento. O diagnóstico definitivo resulta da análise integrada dessas informações garantindo precisão e um plano de suporte adequado”, alertou a doutora do PPGCS da Unesc.

TEA: compreendendo e se reconhecendo

Casada e mãe de dois filhos, Sabrina Ogioni enfrentou uma longa jornada até compreender sua própria neurodivergência. Ela recebeu o diagnóstico de autismo na vida adulta que gerou um misto de alívio e questionamentos. Por um lado, entendeu as dificuldades enfrentadas desde a infância. Por outro, sentiu o peso do preconceito ainda existente em relação a pessoas autistas. Ela conta um pouco sobre como foi enfrentar o diagnóstico. “Foi difícil, passei a vida toda tendo que mascarar, moldar meus comportamentos para tentar ser aceita, isso me ocasionou muita dor internalizada, quando fui diagnosticada tirou-me um peso, logo estar dentro do espectro me explicou o porquê de meus interesses específicos, hiperfocos, cansaço extremo, dores de cabeça devido à sobrecarga, problemas emocionais, sensoriais e muitos desafios que passei desde a infância, adolescência até a vida adulta”, contou.

Filhos

Sabrina relata ainda que percebeu nos filhos, ambos diagnosticados com autismo, episódios vividos por ela na infância. “No primeiro ano do ensino fundamental no Colégio Dom Orioni de Siderópolis, aos seis anos de idade, minhas coleguinhas de sala me convidavam para brincar e eu recusava, tinha ataque cardíaco e falta de ar, então corria e subia em um muro alto do colégio, onde me sentia segura até o sinal bater e voltarmos para a sala. Quando me mudei para Içara, vi minha mãe na porta conversando com minha professora, pedindo para ela ter paciência comigo porque eu era um pouco devagar, mas como autista minha audição é muito aguçada e escuto de longe. Minha mãe faleceu sem saber que eu tinha ouvido aquilo. Tive dificuldades na leitura, e para aprender a tabuada lembro que orei a Deus e pedi que ele abrisse a minha mente e me ajudasse a entender e decorar, e depois de orar passei a estudar bastante todos os dias e aprendi. Me converti à religião evangélica com 13 anos e era muito ativa na igreja, participava de tudo que envolvia canto. Eu louvo até hoje e faço variações de vozes, harmonia vocal. Mas sofri uma sobrecarga muito forte aos 15 anos, devido aos estudos e as atividades na igreja e o luto por um colega. Eu estava nas férias do meio do ano de 2002 quando tive um surto. Hoje tenho entendimento que foi uma sobrecarga muito grande por conta de sensibilidades do autismo, mas fui cheia de remédios que me colocaram totalmente para baixo. Fiquei em tratamento para depressão e síndrome do pânico por mais de sete anos”, relembra.

O profissional

Sabrina conta que na vida profissional teve Burnout em uma empresa onde era muito pressionada e julgada antes do diagnóstico. “Sai às pressas para o pronto socorro do Hospital São Donato e o médico que me atendeu me identificou com Burnout. Antes do diagnóstico, sempre sofria internamente e não entendia o porquê, comecei a estudar sobre autismo depois do diagnóstico dos meninos- e percebi que tinha muitos sintomas do Espectro Autista. Tenho sobrecarga sensorial, sinto cheiros que ninguém sente, ouço de longe, sensibilidade à luz, alergia a certas texturas de roupas, intolerância a certos alimentos, postura diferente e frouxidão articular, joelhos genu valgo (também conhecido como joelho em X) e peito escavado”.

Deixando o perfeccionismo de lado

Ela também conta que depois da descoberta passou a se aceitar e não se exigir tanto. “Passei a acolher-me, deixei de ser perfeccionista em tudo, aceitei minhas limitações, me poupando de interações desnecessárias que me causavam desregulação emocional e sensorial, passei fazer mais o que gosto e me permitir descansar para carregar minha bateria social, coisa que antes não tinha entendimento nenhum e por isso tinha sobrecargas muito grandes. Hoje, consigo me planejar e tento ter uma rotina previsível, fazendo atividades que me trazem bem-estar e regulação física, espiritual, emocional e sensorial”, relatou Sabrina, confiante.

Da experiência pessoal ao lançamento de um livro

Da experiência pessoal veio a motivação para escrever o livro “Autismo em Mulheres Adultas”, no qual Sabrina conta a vivência de mulheres que, como ela, receberam o diagnóstico tardio. A obra fala sobre autoconhecimento, expõe as dificuldades enfrentadas, trata das alterações na vida profissional e pessoal. E ela conta o que a motivou a entrar no mundo literário.

“Minha motivação veio da dor da descoberta do meu diagnóstico. Compreendi melhor o que acontecia e acontece comigo, mas, ao compartilhar essa informação com outras pessoas, percebi o quanto a sociedade ainda tem preconceito contra pessoas neurodivergentes como eu. Notei olhares estranhos, como se procurassem algum defeito, sendo que se trata de uma condição oculta. Para mulheres como eu, que desde cedo aprendem a imitar comportamentos típicos, muitas vezes passamos despercebidas aos olhos da sociedade. Isso despertou em mim uma força para mostrar ao mundo que, apesar dos nossos sofrimentos internos causados pela sobrecarga sensorial e social, continuamos sendo seres humanos, com nossas limitações, mas também com nossas genialidades e hiperfocos. Temos uma empatia sentida profundamente, ainda que nem sempre demonstrada em nossa expressão facial. Carregamos uma preocupação excessiva em parecer ‘normais’ para sermos aceitas”, lamentou.

A busca por informações e coleta de dados

Quanto ao processo para reunir informações, Sabrina diz que pesquisou mulheres que, assim como ela, receberam um diagnóstico tardio e coletou relatos sobre como foi a vida antes e depois desse momento. “Também investiguei formas de vencer a procrastinação, um grande desafio na minha trajetória. Sempre tive muitas ideias, mas colocá-las em prática era difícil para mim. Quando iniciava um projeto, muitas vezes desistia antes de conclui-lo. Por isso, busquei estratégias para organizar meu tempo e lidar com imprevistos. Algumas dessas técnicas já aplico no meu dia a dia para ter mais autonomia, como manter uma agenda semanal e planejar a semana com antecedência. Isso me ajuda a evitar a ansiedade causada pela incerteza sobre o que fazer em determinado dia. No livro, também indico técnicas como o método Pomodoro, Yoga e oração como formas de aliviar a sobrecarga”, concluiu.

Obstáculos e Impactos da revelação

Ainda conforme a especialista, o diagnóstico tardio do TEA em adultos é frequentemente precedido por um longo histórico de desafios relacionados à adaptação social, dificuldades na comunicação e sobrecarga sensorial. A ausência de um diagnóstico precoce leva muitos indivíduos a desenvolverem estratégias de camuflagem social, o que pode resultar em exaustão mental e emocional, além de um risco aumentado para depressão, burnout e transtornos de ansiedade, esclareceu Cinara, acrescentando: “Após a descoberta, o indivíduo pode enfrentar um período de reinterpretação da própria trajetória. O acompanhamento deve ser interdisciplinar e individualizado, incluindo psicoeducação sobre o TEA, intervenções terapêuticas focadas no desenvolvimento de estratégias adaptativas, suporte para autorregulação emocional e, quando necessário, acompanhamento psiquiátrico. Além disso, adaptações no ambiente profissional e social podem ser necessárias para melhorar a qualidade de vida. O suporte contínuo, seja por meio de terapia, grupos de apoio ou ajustes ambientais, é essencial para promover autonomia e bem-estar”, revelou.

Reduzir a sobrecarga

“A redução da sobrecarga sensorial e social em indivíduos com TEA exige abordagens múltiplas e individualizadas que vão desde adaptações ambientais, estratégias de autorregulação e intervenções terapêuticas. No nível neurossensorial, é essencial minimizar estímulos aversivos por meio de ambientes controlados, utilizando recursos como iluminação ajustável, redução de ruídos excessivos. O uso de fones de ouvido com cancelamento de ruído, óculos com lentes filtrantes e roupas com texturas confortáveis pode auxiliar na regulação sensorial. No contexto social, a sobrecarga pode ser diminuída com agendas, horários e rotinas que aumentam a previsibilidade das interações, permitindo ao indivíduo antecipar demandas comunicativas”, ressaltou Cinara Gonçalves, lembrando que estratégias baseadas em terapia ocupacional sensorial, treinamento de habilidades sociais estruturadas e pausas programadas em interações exaustivas são eficazes para diminuir a sobrecarga sensorial.

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